No momento da sua morte em 1957, John von Neumann (JVN) estava no meio de uma profunda mudança intelectual. Embora fosse famoso pela "arquitetura von Neumann" que define os computadores digitais modernos (separação entre computação e memória), seus últimos anos foram dedicados a entender as diferenças fundamentais entre computadores artificiais e o cérebro biológico. Ele morreu antes de conseguir terminar essa síntese, mas seus manuscritos e palestras inacabados (especificamente as Silliman Lectures) lançaram as bases para os campos da neurociência computacional e da computação tolerante a falhas. JVN estava programado para apresentar as prestigiadas Silliman Lectures em Yale em 1956, mas estava muito doente para apresentá-las. O manuscrito inacabado foi publicado postumamente como O Computador e o Cérebro (1958). Permanece sua obra mais significativa sobre este tema. Neste texto, ele realizou uma análise comparativa rigorosa do sistema nervoso humano e dos computadores digitais de sua época (como o EDVAC e o ENIAC). * A Natureza "Mista" do Cérebro: JVN argumentou que o cérebro não é puramente digital. Embora a ativação de um neurônio seja um evento binário (tudo ou nada), o tempo e a frequência desses pulsos são analógicos. Ele concluiu que o cérebro usa um código híbrido—parte digital, parte analógico—onde a informação é transmitida não apenas por estados "ligado/desligado", mas pela taxa de pulsos (modulação de frequência). * Precisão vs. Confiabilidade: Ele observou que os computadores digitais são frágeis; um único erro pode travar o sistema. O cérebro, no entanto, é robusto. Ele opera com baixa precisão (os neurônios são barulhentos e imprecisos em comparação com tubos de vácuo), mas alcança alta confiabilidade. * Paralelismo: Ele identificou que, enquanto os computadores operam de forma serial (uma instrução de cada vez) em velocidades muito altas, o cérebro opera em massa paralela a velocidades relativamente baixas. Esta foi uma das primeiras reconhecimentos formais do que agora chamamos de Processamento Massivamente Paralelo. Uma das contribuições mais críticas de JVN para a teoria das redes neurais foi seu artigo Lógicas Probabilísticas e a Síntese de Organismos Confiáveis a partir de Componentes Não Confiáveis (1956). Ele estava fascinado por um paradoxo central da biologia: Como os organismos biológicos realizam funções complexas e confiáveis quando seus componentes individuais (neurônios) são propensos a erros e morte? * O Problema: Em uma porta lógica padrão (como AND/OR), se um componente falhar, a saída está errada. Em um cérebro com bilhões de neurônios, os componentes falham constantemente, ainda assim o "sistema" permanece são e funcional. * A Solução (Multiplexação): JVN propôs um modelo matemático onde fios únicos são substituídos por "feixes" de fios, e portas lógicas únicas são substituídas por "órgãos" que fazem a média dos sinais recebidos. * Lógica da Maioria: Ele introduziu o conceito de lógica de votação da maioria. Se você tem um feixe de 100 fios carregando um sinal, e 70 deles dizem "1" enquanto 30 dizem "0" (devido a ruído/erro), o sistema interpreta o sinal como "1". Isso provou matematicamente que você pode construir um sistema com um grau arbitrariamente alto de confiabilidade, mesmo que os componentes subjacentes sejam não confiáveis. JVN é também o pai dos Autômatos Celulares (CA), um modelo discreto de computação que se baseia em uma grade de células que mudam de estado com base em seus vizinhos. Esta foi sua tentativa de abstrair matematicamente a lógica da vida e da reprodução. * O Construtor Universal: Ele projetou famosamente um padrão de autômatos celulares que poderia se copiar—o Construtor Universal. Esta era uma máquina teórica embutida em uma grade que poderia ler uma "fita" de instruções e construir uma cópia de si mesma. * Analogia Biológica: Notavelmente, ele propôs essa arquitetura antes da descoberta da estrutura do DNA. Ele previu que, para a auto-reprodução funcionar, um organismo deve conter uma "descrição" de si mesmo (software/DNA) e um "mecanismo" para copiar essa descrição (hardware/RNA e proteínas). Ele tratou o problema da auto-reprodução como um problema lógico e computacional, em vez de puramente químico.